Depressão pós-viagem.

Durante 4 meses não consegui adormecer antes das 3h da manhã. Recapitulava a minha viagem vezes sem conta. Abria o Google Maps todas as noites, percorria as estradas que tinha feito, recordava os restaurantes que tinha marcados no mapa, explorava locais a que iria quando regressasse. Recordava emoções, sentimentos, sensações. Não queria esquecer nada. Adormecia magoada a chorar. E ferida acordava, chorando o pouco que restava. Era a dor da saudade. Fechava os olhos e rezava de mãos juntas ao peito: por favor memória, não te esqueças da leveza que viveste; por favor memória, não te esqueças da Ana que foi e já não consegue ser.

Esta semana faz 5 meses desde que cheguei a Portugal, vinda de uma viagem de 15 meses pela terra de todos os meus sonhos, a Nova Zelândia. Faz também 1 mês desde que decidi que a dor da saudade não pode ser maior que a força de viver e lutar pelo meu futuro. Vamos perceber porquê…

O meu regresso a Portugal foi difícil. Muito difícil. Fui forçada a regressar ao meu país, quando todos os meus sonhos de vida passavam por Aotearoa. Lá, onde o amor estava, lá onde o sentimento de pertença morava, lá onde a liberdade não tinha barreiras, lá onde encontrava uma paz que saberia que nunca iria encontrar neste retorno. Retorno ao passado de uma Ana que já não me servia. Já não me identificava.

Durante 15 meses fui vivendo uma vida intencional, abrindo espaço à intuição, à tomada de decisões por mim e para o que eu achava ser o meu bem. Fui em busca da minha verdade, da minha essência. De quem era a Ana. O que fazia ali. E porque ali chegou. Quais eram os meus interesses? Quais eram as atividades que eu fazia que eu realmente tirava prazer? Sim, os meus interesses e gostos! Não o que era moda ou expectável que eu me interessasse ou fosse influenciada. Parece ridículo tudo isto. Mas a verdade é que precisei de ir para o país mais longe que poderia ter escolhido para me dar tempo. Para me dar espaço. Para crescer e me redescobrir. De perceber quem era e o que queria fazer, experimentar e explorar na minha vida. Esqueci-me das comparações. Esqueci-me das expectativas que os outros depositavam em mim. Eu sou e sempre fui o meu pior inimigo. Não coloquei expectativas em mim e sobre o que deveria estar a fazer. Este estado de graça levou-me a cumprir sonhos. A crescer. A ouvir-me. A viver de acordo com a minha vontade. A viver a minha independência. Oh coraçãozinho, aguenta firme, não comeces já a ficar apertadinho. Rende-te. Abraça-te e diz, está tudo bem. Tudo foi necessário para chegares até onde estás hoje.

Foi na Nova Zelândia que encontrei pela primeira vez, em muitos anos, paz. Paz comigo. Paz com o meu passado. Paz com todas as minhas decisões de vida. Paz com todas as minhas escolhas mais ou menos certas que me levaram a caminhos indefinidos. Lembro-me claramente de um dia em agosto de 2019, estava em Nelson, a norte da Ilha Sul. Sozinha, peguei numa bicicleta do hostel onde estava alojada e fui até a uma praia a 25 minutos dali. Caminhei pela praia. Sorria para o sol, como tanto amo fazer. Cada passo que dava, cada agradecimento pronunciava. Cada perdão me dava. Sentei-me na areia à beira-mar. Um sentimento de leveza e comunhão apoderou-se de mim. Poucas semanas se tinham passado desde que tinha chegado àquele país e, sem saber mas sabendo, sentia que era ali a minha casa.


Este viver de sonho, que na verdade era a minha realidade, terminou no dia em que aterrei em Portugal. Contente por abraçar a família, mas desolada por todos os medos associados a este regresso. Medos que me dominaram e culminaram em momentos de profunda tristeza. Isolei-me do mundo. Isolei-me de mim e em mim. Fiquei num buraco lá meio perdido num universo qualquer. Os pensamentos não pagavam bilhete. Entravam e devoravam todos os cenários. Outra e outra vez. Sentavam-se e esperavam que ganhasse coragem e destreza de mandá-los embora.

Foi nos últimos meses que conheci na pele, no coração, no sangue, na alma, o que é estar num estado de tristeza e ansiedade. Sentires que todos os teus sonhos já não têm lugar. Que tens de te readaptar ao estilo de vida considerado correto. Que tens de reclamar do trabalho e dos clientes, porque assim é a vida. Que tens de retomar, o quanto antes, a vida profissional se não perdes o comboio e já ninguém te quer. Que tens de silenciar a tua voz, a tua intuição, a tua verdade. Só porque aqui já não faz sentido viveres essa liberdade. Não te coloques em mais aventuras e incertezas, Ana. Foi bom enquanto durou, agora já chega e desce ao planeta Terra. Que tiveste tempo de saberes o que queres, por isso, decide. Que já é hora para entrares nos eixos, já não és uma miúda. Meu Deus. Que coisa louca. Enfim, tudo isto aconteceu. A única culpada de tudo isto fui eu e a pressão das expectativas que coloquei em mim. Dei luz verde a que se entranhassem em mim. Este sofrimento não passava de medo e rejeição da realidade. Não regressei a uma Ana do passado. Regressei ao mesmo espaço físico sim, mas para uma Ana que precisou de crescer e deixar o mundo dos sonhos um pouco de parte e focar-se na materialização! Dos sonhos, claro. Era lá Ana se não vivesse dos sonhos! Foi com este regresso “obrigado” a Portugal que me senti adulta pela primeira vez em toda a minha vida.

Não há um dia que tudo muda, como apregoam. Mas há dias em que encontras a coragem lá no baú da confiança e pedes ajuda. Caminham, lado a lado, para perceberem as linhas de pensamento. Os medos, os padrões. As raízes, as inseguranças. Lá vais encontrando as tuas respostas. E é nesta jornada que vais manifestando o que queres. O que sentes. O que faz sentido para ti. Traças um plano. E arriscas. Com todas as consequências possíveis. Mesmo que um dia tudo dê errado. Ou que tudo vá dar certo.

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5 thoughts on “Depressão pós-viagem.

  1. O último parágrafo. Manifestando, agradecendo, colhendo, aprendendo. Crescendo. ❤️🙏🏻

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  2. Precisava de ler isto. É EXATAMENTE o que sinto, por escrito.
    Obrigada por este momento.

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  3. Obrigado pelo texto Ana, transmitiste bons sentimentos e enriqueceste-me com o teu testemunho.

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